Foi num dia qualquer, de um verão tropical, na cidade de Angra. Lugar paradisíaco que muitos estamos acostumados a ver estampados nas revistas e na televisão.
O garoto aproximou-se da casa bonita, colocou o rostinho entre as grades do portão alto e forte, e ficou olhando.
A dona da casa, senhora distinta, regava o jardim. Fazia a tarefa devagar, como quem distribui com as gota d'água um tanto de carinho.
O menino dos seus 9 anos, segurando com ambas as mãos as grades, de um lado e outro do rosto magro, pediu: "hei dona, tem pão velho"?
Ela se voltou surpresa. Fechou o esguicho d'água. Desde a sua infância, aquele tipo de situação a incomodava. Da adolescência trazia uma mensagem dentro de si de que, quando alguém pedia pão velho, na verdade estava dizendo: "me dá o pão que era meu e ficou na susa casa e você esqueceu de comer, porque tem muitas outras coisas deliciosas para saborear".
Ela caminhou até o portão e perguntou:
- "Onde você mora?"
Ele falou o bairro, bem distante.
- "Mas é muito longe", disse a senhora.
- "Pois é. Eu sei que é longe, mas eu tenho que pedir as coisas para comer".
- "Você está na escola?"
- "Não", disse ele. "Minha mãe não pode comprar material".
Agora, ela já estava tão próxima dele que quase o podia tocar. Ele tinha um rostinho tão delicado. Pena que estivesse um tanto sujo.
Pensou nos próprios filhos, tão bem cuidados, penteados, roupas limpas, calçados brilhantes e lancheiras cheias para ir para escola.
O rostinho miúdo parecia só ter olhos. Espertos. Inteligentes e sofridos.
"Seu pai mora com vocês?" Arriscou a dama.
"Ele sumiu", respondeu com voz triste.
O papo prosseguiu. Ela até esqueceu dos jardim e das flores. Ali estava uma flor muito mais importante e mais necessitada de água, adubo, terra fofinha.
Finalmente, ela se recordou da fome do menino e fazendo um gesto de quem se dirigia para dentro a fim de buscar alguma coisa, exclamou: "espere um pouco. Vou buscar o pão. Não tenho pão velho. Serve novo?"
"Não precisa não senhora. A senhora já conversou comigo. Tchau".
E desapareceu ladeira abaixo.
A resposta caiu como um raio no coração da mulher. Teve a sensação de ter absorvido toda a solidão e falta de amor daquela criança.
Um menino de 9 anos, já sem sonhos, sem brinquedos, sem comida, sem escola e tão necessitado de um papo, de uma conversa amiga.
Naquele dia a senhora aprendeu um novo significado para o pedido de pão velho.
Significa dizer: "convcerse comigo, dê-me a alegria de ser amado."
Por isso ela continua dando pão novo, fresquinho, com doce, manteiga, queijo e salaminho. Mas antes de tudo, ela compartilha o pão das pequenas conversas, um pão que nunca fica velho,porque é fabricado no coração de quem acredita Naquele que disse um dia: "Eu sou o Pão da Vida".
***
O pão mata a fome do corpo. A palavra nutre o coração entristecido.
Enriquecido, por esse tesouro, a palavra que vibra, sonora, em teus lábios estende esperança em volta, donde te encontras.
Distribui calor humano a quem se faz carente e alimenta essas vidas em desfalecimento , como quem rega um jardim em ardente dia de sol.